Banca de Trabalho de Graduação

Banca de Trabalho de Graduação

Naquela tarde Leopold estava mais feliz que receoso. Fazia alguns dias que ele havia entregue seu trabalho de conclusão ao seu orientador, e naquela tarde iria enfrentar a banca que avaliaria a pequena obra.

Leopold imaginava que ficaria um pouco mais perto de seu “colega” e ídolo, Robert Langdon. Sendo aprovado pela banca, Leopold conseguiria seu diploma de bacharel em Simbologia, a profissão de Langdon. Embora Langdon fosse um PhD. Ou seja, para chegar a um patamar semelhante ao de Langdon, Leopold ainda precisaria cursar pelo menos mais duas pós-graduações.

Leopold cogitava se sequer teria condições de cursar uma pós-graduação, quanta mais duas. Começara a cursar a faculdade quando muitas pessoas já estavam terminando os graus regulamentares de pós-graduação. E, talvez por causa disso, fez o curso de maneira bastante relaxada, levando oito anos para conseguir seu diploma de licenciatura em Simbologia, o que lhe permitiria ser professor nas escolas de ensino fundamental e nos liceus do país.

Leopold estava mais feliz que receoso, e também otimista, porque não era a primeira vez que estava enfrentando a banca de trabalho de graduação. Seu primeiro trabalho analisava uma determinado aspecto de um certo dramaturgo britânico, e as liberdade simbólicas que um autor podia tomar em relação a um personagem histórico. Havia recebido o conceito “bom”.

E Leopold tinha convicção para consigo mesmo que sua segunda monografia, esta que estaria em avaliação, era melhor que a primeira.

Como chegara antes do horário de enfrentar sua banca, teve tempo de observar as bancas de alguns de seus colegas. Na verdade dois deles. Ambos tinham apresentados trabalhos aparentemente muito bons, recebendo conceito máximo de suas respectivas bancas, trabalhos “ótimos”. A palavra “aparentemente” aqui não é demérito aos trabalhos, é que Leopold não lera os trabalhos, apenas vira a recepção das bancas. A única coisa que encasquetara Leopold, foi que numa das bancas um dos professores demandara que o graduando trocasse as palavras “excedia o período de tempo analisado” por “excedia o marco cronológico”. Leopold ficou se perguntando porque o professor-doutor queria fazer uma troca de seis por meia dúzia. Mas pelo jeito foi algo sem estresse, o aluno prontamente consentiu em trocar os termos demandados.

Chegada a hora, Leopold se dirigiu ao local onde deveria ser realizada a banca que avaliaria seu trabalho.

No caminho encontrou um dos professores que fariam parte da banca. Já eram conhecidos um do outro, e o professor perguntou a Leopold se ele estava tranquilo para defender seu trabalho. Aquela pergunta deixou Leopold intranquilo, mas ele respondeu ao professor: “Sim. Eu não deveria estar?” O professor não respondeu nada. Ambos caminharam para a sala destino.

Como é comum nas bancas, o professor-orientador abriu a sessão, comentando rapidamente sobre o trabalho. Leopold então fez uma breve exposição sobre o que havia pesquisado, algo sobre um sábio filósofo da Antiguidade, os múltiplos significados da sexualidade e da feminilidade.

Abriu-se então o momento para que os professores-avaliadores fizessem suas observações.
Um dos professores tinha um compromisso após a banca, um compromisso algo imprevisto que fizera com que ele fizesse suas observações e saísse. Este professor comentou que apesar do trabalho ter os requisitos para um trabalho de graduação, o estilo estava meio dispersivo. Leopold havia ampliado demais o espectro de sua tentativa de contextualização do assunto, falando demais do tempo e de lugar onde vivera o velho filósofo, e gastando tempo que deveria ser aplicado na hermenêutica da obra do filósofo. Leopold respondeu afirmando que seu desejo era contextualizar, e não havia se dado conta dos excessos. Este professor saiu, então, para seu compromisso.

Foi então que o outro professor, aquele que perguntara a Leopold se ele estava tranquilo, tomou a palavra. Leopold constatou então que tinha motivos para ficar intranquilo.

“Você falou da matriarca, e falou da amante, mas deixou de falar da escrava nesta obra do filósofo”. Leopold ficou atônito. Embora o próprio professor não tivesse certeza do papel importante da escrava, a escrava fugira totalmente ao trabalho de Leopold nos aspectos simbológicos. E infelizmente a obra não estava ali para ser consultada. “Também acho”, continuou o professor, “que você deveria ter consultado a obra no original.” Foi outro baque para Leopold, em seminários no final da graduação, um dos professores garantira que um trabalho de conclusão de graduação não necessitava de conhecimento de línguas antigas, a menos que fosse um trabalho de análise gramatical profunda, o que não era absolutamente o caso. Leopold tentou argumentar que um biógrafo fundamental do filósofo consultara a obra do filósofo em língua moderna. O professor não quis acreditar, e esta biografia não estava ali para ser consultada também. O professor continuou: “a bibliografia usada era bastante antiga, principalmente aquele erudito da Europa Oriental, do final do século XIX”. Leopold falou que aquele erudito, acusado de defasado, ainda era bastante consultado e usado como referência (pelo menos dois outros trabalhos recentes colocados na bibliografia usavam este erudito). O professor afirmou que certa obra para-didática utilizada na bibliografia não deveria ter sido usada, que obras daquele tipo não deveriam ser usadas em trabalhos de conclusão de graduação. Leopold não respondeu a este questionamento, mas ficou se perguntando se o trabalho de um professor-doutor teria menos autoridade por ser uma obra para-didática,e também pensou consigo mesmo, “o professor que acabara de sair era um autor de obras para-didáticas. O que ele pensaria a respeito disso?” Por fim, veio o golpe de misericórdia do professor-avaliador, “Pois é. Eu acho que você não conseguiu demonstrar o que você desejava neste trabalho de conclusão!”

Veio o tempo dos professores debaterem o trabalho sem a presença de Leopold. Porém debate não haveria, pois um dos professores-avaliadores saíra mais cedo por conta do compromisso inesperado, e não cabe ao orientador deliberar, apenas dirigir a banca e divulgar o conceito final.
Leopold ficou bastante preocupado.

Se chegara convicto que tinha feito um trabalho melhor que o anterior, e cogitava se poderia alcançar o conceito “ótimo”, agora pensava que, de fato, ficaria com o conceito “bom”, como recebera o trabalho anterior.

Alguns minutos se passaram, e Leopold foi chamado.

Sentou-se diante da banca, e o professor-orientador leu a deliberação da banca. Leopold recebera o conceito “regular”.

O ânimo de Leopold foi ao chão. Um verdadeiro nocaute.

Algo constrangido o professor-orientador parabenizou Leopold por conseguir o grau de bacharel em Simbologia.

Leopold não disse nada. O conceito “regular” para seu trabalho foi sua maior decepção no decorrer de sua faculdade. Provavelmente o trabalho de Leopold seria considerado o pior trabalho de graduação daquele ano naquela instituição. Cabisbaixo, abandonou o campus, e retornou para sua casa. Também abandonou qualquer ilusão de cursar pós-graduação. Nunca chegaria ao grau de autoridade de Robert Langdon.



17/01/2011
jar

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