O Esporte Clube Cruzeiro e os meninos da Vila Cefer

O Esporte Clube Cruzeiro e os meninos da Vila Cefer

O Esporte Clube Cruzeiro de Porto Alegre é um clube de futebol que está fazendo relativo sucesso na primeira divisão do Campeonato Gaúcho deste 2011. No primeiro turno chegou a ser semi-finalista, sendo eliminado pelo Grêmio.

Por uma ironia destas do destino, um dos torcedores mais ilustres do Cruzeiro de Porto Alegre, se não o mais ilustre mesmo, faleceu neste início de ano, ao mesmo tempo em que o clube tinha seus momentos de glória regional. Era o médico e escritor Moacyr Scliar.

A Vila Cefer é um conjunto habitacional construído, se não estou enganado no final da década de 1960, junto à Avenida Antônio de Carvalho, mais ou menos na metade da distância entre as avenidas Protásio Alves e Ipiranga. Foi um de tantos conjuntos habitacionais construídos durante os governos militares. Este nome, Cefer, é derivado da CEF, isto é, da Caixa Econômica Federal, provável agente financiador da construção do conjunto de moradias. A Vila Cefer são duas, e Cefer I e a Cefer II, diferentes por conta dos dois modelos de casas que foram construídas. E foram dezenas, quiçá centenas de casas de cada um dos dois modelos. Claro, que no decorrer destes anos todos, os moradores fizeram as suas customizações. Muitas casas, originalmente de madeira, foram transformadas em casas de alvenaria; outros moradores chegaram a produzir sobrados de dois andares. Infelizmente algumas, poucas, também incendiaram, e já houve caso de saque em que uma casa inteira foi roubada, deixadas de pé apenas as paredes do banheiro.

A minha família se mudou para a Vila Cefer 2 em 1975, e ali eu passei o final de minha infância. Não digo que foram os dias mais felizes de minha infância. Certamente eu era mais feliz quando morava em uma casinha na Chácara das Pedras, sem banheiro, quando este bairro era um arrabalde com iluminação pública precária, ônibus demorados, e muita dificuldades para achar um táxi.

Eu acho que foi no verão de 1978/1979, mas pode ser que tenha sido no verão seguinte, ou mesmo no anterior, mas certamente foi no final da década de 1970.

De repente a gurizada que jogava bola nas ruas da Vila Cefer 2 descobriu a existência da escolinha de futebol do Cruzeiro. De repente, todo mundo se achou boleiro, e seguiu para o Estrelão, para treinar e jogar na escolinha. Bem, nem todo mundo. Eu mesmo nunca cheguei a ir, era muito perna-de-pau para querer tentar jogar em uma escolinha de futebol. Éramos quantos meninos que corríamos atrás de uma bola naqueles dias? Uns sete, oito? Na verdade não me lembro. Não lembro quantos deles iam para o Estrelão, mas eu não fui.

Um dos meus amigos, de então, o Marco Antônio*, até que me incentivou ir, a tentar. Mas junto, contra-argumentando estava o Gavião, comentando, “Pô, Marco, sabe uma ferida? Uma ferida do tamanho de um joelho?” “O que tem isso?”, perguntou o Marco. “Isso é o Zé jogando futebol”. Vejam vocês o quanto o meu futebol era reconhecido.

Mas acho que a turma ia. O Alexandre, que foi à escolinha, mas já era praticante de judô, os irmãos Mário e João (um sempre defendia o outro quando brigávamos, ou seja, ou a briga acabava num, digamos, empate, ou eu apanhava), o Antônio, que pela minha lembrança era um pouco acima do peso, mas sabemos que isso pode não significar nada, depois dos sucessos de Maradona e Ronaldo Nazário. O próprio Marco Antônio que tentara me incentivar.

Ir da Cefer ao Estrelão era fácil. São cerca de 4 quilômetros, em uns 30 ou 40 minutos a turma fazia o percurso. Era um tempo de menos medo. A turma, com idades entre 12 e 15 anos ia a pé, subindo a Antônio de Carvalho e a Protásio, e descendo, também a pé, na volta.

Infelizmente aqueles boleiros não floresceram. E também se tivessem florescido não seria no Cruzeiro que isso iria acontecer. Se o futebol da turma tivesse sido bom a ponto de chegar ao profissional, teriam se tornado futebolistas profissionais ali pela metade para o final da década de 1980. Mas existia futebol profissional no Cruzeiro de Porto Alegre naquela época? Não tenho certeza, mas acho que não.

O destino da turma seguiu outros rumos. Uns se tornaram funcionários públicos, outros pequenos empresários, e é certo que eu ignoro o destino de alguns deles. Infelizmente, o Antônio acabou por morrer prematuramente em um acidente. Pena.

Mas naquele final da década de 1970 alguns meninos da Vila Cefer sonharam em ser jogador de futebol do Cruzeiro de Porto Alegre.






15/03/2011.






*Os nomes e apelidos foram trocados para evitar constrangimentos.

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