Uma Noite de 1983

Uma Noite de 1983




Naquela noite ele se sentou ao lado dela na sala de aula. Talvez para a realização de alguma atividade em grupo.

Sentado ao lado dela, em um momento, ele começou a escrever um poema sobre a classe. Começou dizendo: "Quem me dera abraçar / e ser abraçado...", e nesse ritmo escreveu uns dez versos.

Era uma cantada. Fazia algum tempo que eles caminhavam juntos por boa parte da Avenida Duque de Caxias, após as aulas. A escola ficava quase no início dessa rua, e havia uma longa caminhada até os pontos de ônibus, em volta do Mercado Público. Podiam até dizer que eram amigos.

O fato de estudarem juntos facilitava a aproximação. Atividades em grupo em sala de aula, idas da turma ao cinema para algum filme recomendado pelos professores... E as caminhadas pelas subidas e descidas da Duque de Caxias.

Ele era um tosco. Rapaz quieto, cuja timidez era constantemente confundida com antipatia. Claro que as muitas convicções da juventude e a escassez de sorrisos não ajudavam.

Ela era pequena e simpática. De uma beleza simples, e algo contida. Recatada. Também tinha algo de ingênua. Genuinamente ingênua.

Tão ingênua que quando leu o tal poema que ele escrevera sobre a classe não pensou que fosse dedicado a ela. Uma outra colega teve que alertá-la do que aquele poema poderia representar.

Alertada, ela o confrontou. Quais eram as intenções dele? Era sério? 
Pois é, ele diria. Sim, ele tinha boas intenções. Ele era sério. Queria partir para uma relação mais íntima com ela.

E assim, no alto das escadarias do prédio da escola onde estudavam, no intervalo daquela noite, eles concordaram em partir para um relacionamento mais sério.


A partir daquela noite as subidas e descidas da Duque passariam a ser diferentes do que haviam sido até então. Para ele o caminho se tornaria mais longo, mas muito mais prazeroso.

A jornada mais longa começou naquela mesma noite. naqueles anos iniciais da década de 1980, o ônibus dela (para a zona norte da cidade) partia da Praça Parobé. Uma alegria interior o conduzia, uma imensa expectativa.


Já ela pensava no que poderia significar aquele novo relacionamento. Será que ele seria de fato o amor da vida dela?

Ele pisava em nuvens. Ela em interrogações.

Esperaram na parada até o ônibus aparecer.

Quando o ônibus apareceu, eles se despediram com um beijo. O primeiro beijo deles. Um beijo meio desajeitado, mas, enfim, um beijo.


Se despediram, mas, a partir daquela noite, suas vidas passaram a estar mais ligadas.




30/05/2011.

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