Aprendendo a ler


Aprendendo a ler



Eu aprendi a ler com a vizinha. Eu devia ter cinco ou seis anos, e a vizinha era uma moça no final da adolescência, com paciência o suficiente para ensinar o piazinho vizinho a ler e escrever, com o perdão de tantos inhos.

Eu me lembro que em algum momento comecei a escrever algo sobre certo tipo de alimento, talvez grão-de-bico, talvez ervilha, mas mais certamente grão-de-bico. Eu escrevi que o tal alimento era "muinto bom para a saúde", ou algo assim. O "muinto" chamou a atenção do pai da minha "professora", que era advogado, e ele ficou fazendo troça de algo ser "muinto" bom. Enquanto não me explicaram que se devia escrever "muito", e não "muinto", não entendi a galhofa do vizinho, pois para aquele menino de cinco ou seis anos, "muinto" era o correto, pois era isso que ele sempre pensava que ouvia.

Um outro belo dia, ou mais provavelmente uma outra noite, meus pais descobriram minhas habilidades de leitura, antes do início da frequência do Grupo Escolar Chácara das Pedras, onde tive formalmente as primeiras letras. Minha mãe havia ido visitar uma amiga que morava na Av. Bento Gonçalves, ali por volta do número 2000, perto do Partenon Tênis Clube. Depois da visita nós caminhávamos pela Bento Gonçalves para voltar para casa, quando passamos em frente a uma relojoaria. Acho que era uma relojoaria, mas poderia ser uma joalheria. "Re-lo-jo-a-ria ... Pe-ró-la" eu devo ter dito (exceto claro se eu tivesse dito "jo-a-lhe-ria... Pe-ró-la"), dizendo cada sílaba muito pausadamente. Penso que era relojoaria porque havia uma enorme pintura representando um relógio Technos na cortina de ferro que vedava o acesso à loja. Este foi o susto de minha mãe, que ainda não sabia que seu filho já estava alfabetizado, embora eu não tenha certeza se eu sabia o que significava aquilo que eu estava soletrando – não estou certo se eu realmente sabia o que era uma relojoaria, embora houvesse o desenho na cortina de ferro, ou mesmo uma pérola. Em todo caso eu era capaz de reconhecer sílabas, e formar palavras. Lembro que minha mãe ainda me corrigiu, dizendo que era “pérola”, e não “peróla” como parecia que eu havia lido.

Isso deve ter acontecido lá por 1972 ou 1973. Em 1974 eu entraria para o Grupo Escolar Chácara das Pedras, onde começaria as atividades desenhando linhas, para "afinar" as habilidades motoras, antes de aprender as primeiras letras, que na verdade eu já conhecia. A primeira letra ensinada na escola foi obviamente a letra "a". No dia em que esta letra foi ensinada a professora mandou que todos os alunos fossem ao quadro para reproduzi-la. Para minha decepção, constatei que a minha não foi a mais bonita escrita naquele dia. Alguns coleguinhas tinham letra melhor que a minha...

No Grupo Escolar também tive as primeiras noções da neurose das escolas. Ali levei a primeira surra na escola de um aluno mais velho, e maior que eu. E nem me lembro o porquê.


17/10/2011. Atualização 13/01/2012.


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