Rua Estácio de Sá, 66 – Chácara das Pedras, Porto Alegre, RS


Rua Estácio de Sá, 66 – Chácara das Pedras, Porto Alegre, RS



Meus pais me disseram, e a certidão de nascimento dá fé, que eu nasci no Hospital Beneficência Portuguesa, na segunda metade da década de 1960. E desde esse tempo até mais ou menos a metade de 1974, eu vivi na Rua Estácio de Sá, número 66, bairro Chácara das Pedras, em Porto Alegre.

Foi ali que, como se diz, “me dei por gente”, ou seja, foi ali que me dei conta de minha própria existência. Claro que a criança que saiu dali com sete anos de idade não tinha sólidas reflexões a respeito da vida. Apenas são dali as primeiras impressões de estar no mundo. É ali o lugar das primeiras lembranças.

Morávamos numa casa de madeira, cor de laranja, alugada. Eram quatro peças: dois quartos, uma sala e uma cozinha. Não havia banheiro. Havia uma latrina no fundo do pátio que chamávamos de patente.

Morávamos ali meu pai, pedreiro, minha mãe, “dona de casa”, minha irmã, que trabalhava como secretária, meu avô materno, que eu imagino que era aposentado, e minha avó materna, que também se ocupava de tarefas da casa. Quando nasci, minha irmã estava saindo da adolescência.

Nas minhas lembranças dessa primeira infância. Havia muitas outras crianças naquela vizinhança, e eu me lembro principalmente dos meninos. Havia o Paulinho, que era irmão da Salete. Havia o Maurício, que era irmão da Cristina, que tinha o apelido de Toco. Havia também os gêmeos, cujos nomes não me lembro, e que também viviam um pouco mais acima na rua. E havia dois irmãos negros, cujos nomes também não me lembro.

E obviamente a brincadeira que movia as crianças dali, como a maior parte das crianças do Brasil, quiçá do mundo, era o jogo de bola. Então o jogo de bola fez parte dessa infância. E pelo que posso me lembrar eram bolas de plástico ou de borracha. Bolas de couro eram um luxo caro no início da década de 1970.

A Rua Estácio de Sá é uma sucessão de aclives e declives. A primeira quadra, onde morávamos, era uma ladeira, a partir da esquina da Rua José Gertum. Assim, no jogo de bola havia um time que atacava ladeira acima, e outro que atacava ladeira abaixo. Para os primeiros era sempre árduo alcançar o gol. Para os segundos a dificuldade era controlar a bola, e evitar que ela fugisse ladeira abaixo. As goleiras eram marcadas com pedras ou pedaços de tijolos, o que fosse encontrado primeiro. Para ambos os times valia “fazer tabela” com os muros das casas. Mas se a bola corresse para o meio da rua, parava-se o jogo. Era lateral.

Nem só de bola eram as brincadeiras. Carrinhos de plástico para os meninos, e bonecas para as poucas meninas também fazia parte.

Acho que o pai do Paulinho era aeroviário da Varig. Naquele tempo isso era uma grande coisa. Um dia, deve ter sido num Natal, ou num Dia da Criança, o Paulinho ganhou de presente um “Autorama Fittipaldi”. Uau! Que brinquedo! Controlar aquelas “baratinhas de corrida” era máximo! Pena que eu só podia brincar quando o Paulinho montava a pista e me convidava para ir à casa dele. Parecia muito pouco!

No ano em que eu ia completar 8 anos de idade, minha família se mudou. Meu mundo caiu. Na prática perdi todos os meus amigos.

Era o primeiro ano que eu estava matriculado na escola, o Grupo Escolar Chácara das Pedras, que ficava a algumas quadras da Rua Estácio de Sá. A mudança foi na metade do ano escolar.
No segundo semestre, eu tinha que caminhar mais que o dobro do caminho, até a Vila Bom Jesus, para onde havíamos nos mudado.

Um dia, depois da escola, no final da tarde. Resolvi ficar na minha vizinhança e brincar até o anoitecer. Isso me valeu muitas preocupações por parte da minha mãe, e uma surra com rabicho de ferro. Provavelmente a pior surra da minha infância. Quem mandou deixar a mãe preocupada?

Na Rua Estácio de Sá, no bairro Chácara das Pedras, em Porto Alegre, me descobri gente. Ali vivi os dias mais felizes de minha infância.





I: 07/06/2011, D: 24/10/2011, R: 13/01/2011.

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