Deus é uma ideia


Deus é uma ideia




“Deus é uma ideia”. Foi assim que um professor falou em uma das tantas aulas da faculdade. Esse professor em particular era uma pessoa bastante curiosa. Nominalmente a disciplina que ele ministrava era economia. Mas o que ele fazia mesmo era ordenar aos alunos que lessem e discutissem um livro de um certo filósofo de orientação marxista tcheco não muito conhecido. No livro do tal filósofo tcheco há uma colocação interessante que dizia, mais ou menos, que não interessava tanto discutir a existência ou não de Deus, quanto estudar as sociedades que produziram certo culto a Deus.

Conheci também um pastor de uma igreja protestante que tinha uma abordagem parecida com esta de afirmar que “Deus é uma ideia”. Para este pastor não fazia sentido que os ateus dissessem que “Deus não existe”. “Como assim?” - dizia este pastor - “Primeiro você afirma 'Deus', para depois dizer que 'não existe' ”. Como muitos clérigos, este pastor tinha estudado filosofia, além de teologia. E o que a princípio pode parecer apenas um sofisma, era, na verdade, uma sincera tentativa de apologética, de defesa da fé e defesa da crença.

Ateus também gostam de brincar com a ideia. Esses tempos vi o que seria digamos, uma “campanha de esclarecimento”, querendo que mais pessoas pensem como eles. Um outdoor informava que “Somos todos ateus em relação a Thor”, ou algo assim. Ou seja, um cristão é ateu para com um deus que não seja o dele. Alguns desses ateus gostam de fazer troça dos crentes, afirmando que Deus é uma ideia para nos amparar e consolar num mundo sem alma, onde tudo é fruto do acaso. Algo como se a criança que acreditava em “Papai Noel”, se tornasse um adulto que acredita em “Papai do Céu”.

É verdade que a ideia de Deus pode ser instrumentalizada de diversas maneiras, e guerras já foram declaradas por conta de determinadas concepções de Deus ao longo da história humana. Mas eu tenho a impressão que isso tem mais a ver com cobiça e desejo de conquista. A ideia da vontade de Deus envolvida na guerra seria mais uma espécie de racionalização. De qualquer maneira, me parece que os Papas que declaravam que Deus apoiava as Cruzadas realizadas entre os séculos XI e XIII eram sinceros em suas crenças e declarações.

Pois é, as pessoas podem ser sinceras em suas crenças, mesmo que a tal crença possa parecer absurda a outrem.

Vez por outra eu vejo uma jovem senhora mendigando junto com seu filhinho que não deve ter mais de dois anos. Ela costuma mendigar próxima a uma mercadinho, um ponto estratégico.

Sempre que alguém oferece a ela víveres, que contribuem para a sua sobrevivência, ela costuma sorrir, e agradecer e dizer “Deus lhe abençoe”. Pode ser que ela conclua que os alimentos que ela acabou de receber sejam de fato uma dádiva de Deus, e ela deseja que Deus retribua à pessoa que está exercendo o gesto de generosidade.

Ou pode ser que ela seja uma pessoa que conscientemente use a ideia de Deus para estimular a generosidade de seus benfeitores, ainda que não acredite Nele.

Mas eu não consigo acreditar nessa última hipótese. Seria mais fácil apenas sorrir e dizer “obrigado”.






12/01/2012.






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