Diário - Leituras - O Brasil e a URSS na Guerra Fria


Diário - Leituras - O Brasil e a URSS na Guerra Fria




Recentemente li o livro “O Brasil e a URSS na Guerra Fria, a Política Externa Independente na Imprensa Gaúcha”. Eu havia adquirido o livro na Feira do Livro de 2010, mas só no final do ano passado consegui lê-lo.

A primeira advertência a fazer é que este primeiro título é enganoso. O livro trata pouco dos conceitos de Guerra Fria, e dos papeis da União Soviética e do Brasil no contexto da Guerra Fria. Acredito que tal título foi uma jogada de marketing da editora, para tornar o livro mais atrativo. A realidade do livro está no que ficou no sub-título, "A Política Externa Independente na Imprensa Gaúcha", com enfoque principal no jornal Correio do Povo. Trata-se da publicação, com as devidas adaptações editoriais, da dissertação de mestrado em História do autor, Charles Sidarta Machado Domingos.

Neste aspecto, de publicação de dissertação de mestrado, a obra é de fato magistral, sendo um bom exemplo das pesquisas que são realizadas em programas de pós-graduação em História no país.

O autor trabalha bastante o conceito do que seria a Política Externa Independente, uma política externa que fosse independente do alinhamento com os interesses dos Estados Unidos, embora não necessariamente simpática a antiga União Soviética, nêmesis dos Estados Unidos no período que durou a Guerra Fria, que deu seus primeiros passos no breve governo de Jânio Quadros, e continuou durante o governo de João Goulart. E em sua pesquisa o autor procura mostrar como a imprensa gaúcha, em especial o jornal Correio do Povo, principal jornal impresso do Rio Grande do Sul no período analisado (início da década de 1960), lidou com essa iniciativa durante o Governo João Goulart.

Neste aspecto a obra vai além do trabalho de pesquisa histórica, e também entra nas ciências de comunicação, como uma crítica de mídia, tema bastante em voga hoje em dia, embora, por seu caráter histórico, cronologicamente datado. O autor começa por situar o Correio do Povo, como um jornal que queria se ver como neutro e objetivo no momento em que surgiu, no final do século XIX, uma época em que boa parte da imprensa gaúcha era composta de veículos dos partidos então existentes. Apesar das suas supostas neutralidade e objetividade, o autor demonstra como o Correio do Povo tinha seus interesses e seus alinhamentos de classe, desde que surgiu.

No início da década de 1960 a empresa jornalística Caldas Júnior, editora do Correio do Povo, era uma empresa em oposição ao governo estadual de Leonel Brizola, do PTB, por conta da encampação que este havia exercido sobre a Rádio Guaíba, também pertencente ao grupo, para criar a Rede da Legalidade, na crise gerada pela renúncia de Jânio Quadros à presidência da república em agosto de 1961. Breno Caldas, proprietário do grupo Caldas Júnior, era um liberal, e a desapropriação temporária de sua rádio mexeu com seus brios.

A sutil oposição ao governo do estado se repetiu na posição demonstrada nas páginas do Correio do Povo contra a Política Externa Independente, levada a cabo pelo mesmo PTB do presidente João Goulart, e do chanceler (ministro das relações exteriores) Santiago Dantas. Não claramente contra, através de editoriais, mas dando mais voz a lideranças de oposição, ou mesmo ao arcebispo de Porto Alegre, numa época de lideranças católicas anti-comunistas e ainda com bastante influência junto à população. Meticuloso, o autor teve condições inclusive de medir espaços dedicados ao assunto, contra e a favor, nas páginas do jornal, bem como os locais de exposição, como capa, contracapa, página par ou ímpar, definições sutis que podem influenciar o leitor.

Para completar, o livro conta com alentada bibliografia ao final.

Como foi dito, um interessante trabalho de pesquisa histórica, e de crítica de mídia.






17/01/2012.

DOMINGOS, Charles Sidarta Machado. O Brasil e a URSS na Guerra Fria – A Política Externa Independente na Imprensa Gaúcha. Porto Alegre: Suliani Letra e Vida Editora, 2010.



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