Diário - leituras - Istambul, de Orhan Pamuk
Diário
- leituras - Istambul, de Orhan Pamuk
Como registrei aqui, tempos atrás, por conta de
uma cadeira na faculdade de História, eu havia lido o livro História
de Bizâncio, de Emilio Cabrera. O livro de Cabrera é bom,
didático e esclarecedor, eu diria que altamente recomendado como um
livro de referência sobre o antigo Império Romano do Oriente, e
seus mais de mil anos de história.
O fim deste Império, também conhecido como
Império Bizantino, se deu após uma lenta decadência, em 1453, com
a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. Depois disso os
turcos continuaram suas conquistas, estendendo seu império pelos
Bálcãs, tendo inclusive sitiado Viena, sem conquistá-la, isso mais
de 200 anos após a conquista de Constantinopla.
Assim, tive curiosidade para tentar saber um pouco
como seria a cidade de Constantinopla, ou agora Istambul, hoje em
dia. A oportunidade apareceu com o livro "Istambul", de
Orhan Pamuk. Eu poderia procurar livros de história contemporânea
da Turquia, que poderiam abranger Constantinopla/Istambul. Desconfio
que a maioria deles teria sido escrita por ocidentais que estudaram a
História da Turquia, e eventualmente eu encontraria também autores
turcos. Contudo seria sempre o olhar de historiadores, em busca da
objetividade possível. Faltaria aquele olhar subjetivo, do cidadão
de Constantinopla/Istambul. O livro de Pamuk tem esse ponto de vista
subjetivo. Bastante subjetivo, inclusive.
Poder ler o livro de um autor turco traduzido para
a língua portuguesa é um privilégio. Não creio que sejam muitos
os autores de língua turca disponíveis em traduções para o
português no Brasil. O privilégio é derivado do autor ter sido
escolhido como Prêmio Nobel de Literatura em 2006.
O livro "Istambul" mistura ficção com
as memórias da infância e adolescência do autor, e ainda as
narrativas de cronistas turcos do início do século XX, e dos
viajantes ocidentais em visita à cidade no século XIX. É uma
romantização de sua formação, desde o nascimento até o início
da idade adulta, onde cronologicamente o livro termina.
Pamuk é oriundo de uma família burguesa de
Istambul. A família vivia em um edifício na cidade, que abrigava
toda a família, chamado muito propriamente Edifício Pamuk. No
decorrer de sua infância, a fortuna da família foi se desfazendo ao
sabor de negócios fracassados levados a cabo por seu pai e seus
tios.
Istambul é cercada por águas. Há o canal do
Chifre do Ouro ao norte da cidade antiga. E há o Bósforo. O Bósforo
é uma personagem fundamental da narrativa. Local de passeios
familiares na infância. Local de muitas embarcações ligando as
partes europeia e asiáticas da cidade. O Bósforo com suas pontes
modernas de onde, diz o autor, alguns motoristas despencavam com seus
automóveis em uma forma peculiar de cometer suicídio. O Bósforo
que foi alvo de representações de Pamuk em um momento em que ele
pensou em se tornar artista plástico, e desenhava porções da
cidade.
E uma das primeiras coisas da qual ele fala é da
"huzun", uma palavra turca que designa tristeza, mas que
também expressa uma certa nostalgia de um período no passado, em
que o império turco foi muito mais grandioso.
Pamuk é aparentemente agnóstico, ou mesmo ateu.
Mas ele diz que em determinado ponto de sua existência, ele concebeu
uma representação singular de Deus. Deus como uma mulher. "(...)
devastado pela idade e envolto em xales brancos, Deus tinha o rosto
sem traços de uma mulher altamente respeitável", diz ele na
página 188 desta versão.
Como eu havia dito, eu resolvi ler o livro para
ver se um turco dos dias de hoje teria alguma coisa a dizer sobre
Constantinopla e o antigo Império Bizantino. Orhan Pamuk tem um
pequeno capítulo a respeito do assunto. Ele começa dizendo que
afora Hagia Sofia, as ruínas do muros antigos, algumas antigas
igrejas, havia pouco a respeito dos bizantinos do que ele pudesse
pensar ou se preocupar. Supostamente os bizantinos haviam sumido com
a conquista de Constantinopla pelos otomanos no século XV. Depois é
que ele se deu conta que havia descendentes de gregos que viviam em
Istambul quando ele era criança, e que estes gregos poderiam bem ser
descendentes daqueles bizantinos conquistados cinco séculos antes.
Pelas lembranças de Pamuk, os descendentes de gregos em Istambul era
um comunidade relativamente grande. Ele chega a pensar em talvez a
metade da população no início do século XX. Era discriminada, mas
relativamente próspera, agrupada em alguns bairros de Istambul.
Alguns desses gregos tinham pequenos comércios.
Mas segundo Pamuk tudo mudou a partir do início
dos anos 1950. Na memória da família Pamuk, transmitida a Orhan,
aqueles foram anos de perseguição aos gregos, e o que ele descreve
é o equivalente a um pogrom contra a população grega de Istambul.
Lojas saqueadas e depredadas, casas incendiadas, homens mortos,
mulheres violentadas. Segundo Pamuk isso teria feito com que mais
descendentes de gregos abandonassem Istambul nos últimos 50 anos,
que nos 50 anos que se seguiram à conquista de Constantinopla pelo
sultão Mehmet II (ou Maomé II, como dizem alguns livros de História
que li aqui no Brasil). Posso dizer que essa descrição aterradora,
porém breve, me deixou de boca aberta. Segundo Pamuk, a perseguição
aos descendentes de gregos contou com o apoio do governo turco de
então, e fazia parte de uma "turquificação" de Istambul.
Uma maneira de acabar os diferentes na cidade.
Com suas dezenas de fotos e ilustrações, o livro
é uma ótima mistura de reminiscências, com as memórias da própria
cidade. Eu gostaria de ter escrito um livro assim.
PAMUK, Orhan. Istambul:
memória e cidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
19/03/2012.
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