O Avião Caiu


O Avião Caiu



O avião caiu.

Fui para o outro lado da vida. Claro, na esperança que haja um outro lado da vida. Tenho esperanças em Deus e em Jesus. E ainda há miríades de outras religiões celebrando essa esperança.

Entretanto me preocupo com o aqui e o agora. Ou com este lado da vida.

E o meu legado como fica? Aliás, eu tenho um legado? Tudo o que escrevi até hoje tem algum valor?

Provavelmente não.

O avião caiu e morri. Morreram junto minha mulher e meu filho.

Mas mesmo eles, minha mulher e meu filho não dão a mínima importância para o que escrevo.

O que talvez faça bastante sentido. Se eles não têm tempo para ler Cortázar ou Clarice Lispector, por que perder tempo com as bobagens que escrevo?

Minha irmã também não liga para o que escrevo. Ou, se liga, nunca me fala nada.

Um primo, uma vez, foi apresentado às coisas que escrevi. Comentou “muito talento”. E foi isso. Eu nunca mais soube nada sobre o que disse meu primo, nem exatamente qual parte era essa de muito talento.

Uma vez comentei com um outro colega sobre meus escritos. Falou algo sobre “bastante coisa escrita”. Viu, mas não leu. Mas, como ele mesmo disse, ao menos foi sincero.

O que me faz voltar à anterior questão. Existe um legado? Talvez. Mas se houver ele é como uma gota no oceano, ou um grão de areia na praia do Cassino.

Será que aquela sobrinha por afinidade, a qual um vez dediquei um texto celebrando a formação dela na faculdade se preocuparia com esse legado?

Será que de fato existe um legado?

Há uma canção de Jorge Drexler, cantor e compositor uruguaio, chamada “Milonga del Moro Judio”. Lá pelas tantas na letra desta canção, ele declara que “el mesmo solo que piso / seguirá; yo me habré ido / rumbo também del olvido...” (“o mesmo solo que piso / seguirá / eu me terei ido / também rumo ao esquecimento”). Se o grande Drexler rumará ao esquecimento, por que eu deveria estar preocupado com algum legado?

Melhor esfriar a cabeça. Descansar em paz.

E se o avião não caiu?

Bom, aí, como os samurais do clássico filme de Kurosawa, poderei celebrar por mais um dia, a simples felicidade de mais um dia de vida.


13/08/2012.


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