Ouvindo a Missa dos Quilombos na Semana da Consciência Negra


Ouvindo a Missa dos Quilombos na Semana da Consciência Negra


Nos dias de minha adolescência, lá no início da década de 1980, tive contato com o disco “Missa dos Quilombos” de Milton Nascimento. Naquele tempo era um long play, um LP, que havia sido emprestado para a minha irmã.
Ouvi aquele disco e gostei.
Era a criação, como o nome diz, de uma “missa temática”, no caso dedicada a denunciar o sofrimento do povo negro no Brasil, desde a escravidão até a vida de privações da época em que o disco surgiu.
Missas temáticas não são novidade. Aqui no Rio Grande do Sul, vez por outra algum sacerdote católico celebra uma “missa crioula”, se utilizando das tradições cultivadas nos Centros de Tradições Gaúchas espalhados por aqui. Também existe, ou existiu, a “missa da terra ssem males” dedicada ao povo indígena.
Quando ouvi o disco, eu gostei bastante das batucadas, dos sons de atabaques. E da temática das letras, compostas em sua maioria por Milton, em parceria com Pedro Tierra, e Dom Pedro Casaldáliga, então bispo de São Félix do Araguaia, que era então diocese em Goiás, hoje no Tocantins. Estas letras traziam o louvor a Deus junto com a denúncia da escravidão, da marginalização, do preconceito e da injustiça.
Lembro que seguindo a lógica de compartilhamento de músicas daquela época, copiei o conteúdo do disco em uma fita cassete, antes que minha irmã devolvesse o disco.
Pois agora a Editora Abril está relançando toda a obra de Milton Nascimento. Nas últimas semans, vários CD’s de Milton estão disponíveis novamente. Foi assim que pude comprar novamente a “Missa dos Quilombos” (quem ainda compra CD’s hoje em dia?).  
Estão no disco as faixas do LP original, “A de Ó (Estamos chegando)”, “Em nome do Deus”, “Rito Penitencial (Kyrie)”, “Aleluiá”, “Ofertório”, “O Senhor é Santo”, “Rito da Paz”, “Comunhão”, “Ladainha”, “Louvação a Mariama” e “Marcha Final (Do Banzo à Esperança) Invocação à Mariama”. Como se trata de um CD, algumas “faixas bônus” foram incluídas: “Abertura” com trechos de outras canções de Milton, “Raça”, “Pai Grande” e “Ony Saruê”.
A “Missa dos Quilombos” incorpora no seu ritual os ritmos das religiões africanas praticadas pelos escravos aqui, que acabaram por dar origem à Umbanda e ao Camdomblé, e que por fim  se tornaram formas de resistência dos negros no Brasil. Transformando os nomes de entidades iorubás nomes para Deus. Obatalá, por exemplo.
Acompanha o disco um livreto contando a história da criação da Missa dos Quilombos, sua primeira celebração no Recife, no início da década de 1980, e a gravação do disco no Convento do Caraça, no interior de Minas Gerais.
Curiosamente a missa acabou sendo vetada pela CNBB, pois Deus era Deus de todo o seu povo, e não apenas de uma fração desse povo, isto é, dos negros. Assim, cada vez que ela for celebrada, é necessária a autorização especial da hierarquia da Igreja. Se não, será apenas usada como obra de arte, o que, de fato, não é pouca coisa.
Como eu disse, as religiões de origem africana foram utilizadas por parte dos negros como meio de resistência à dominação escravista.
Mas nem todos os negros são adeptos destas religiões. Há todo tipo de fé entre os negros, desde as religiões de raízes africanas já citadas, e também católicos, evangélicos, espíritas, ateus e agnosticos.
Em todo caso, o disco da “Missa dos Quilombos” é uma boa audição para esta Semana da Consciência Negra (13 a 20 de novembro). Seja para a celebração religiosa, seja para a fruição artística.


19/11/2012.

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