Diário - leituras - Mata! O major Curió e as Guerrilhas do Araguaia


Diário - leituras - Mata! O major Curió e as Guerrilhas do Araguaia


Neste livro o jornalista Leonêncio Nossa desenvolve uma narrativa a respeito dos conflitos do sul do Pará, norte do antigo estado de Goiás, atual Tocantins.
Araguaia é um rio importante da região, e foi às suas margens que o o Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, tentou implantar um foco de guerrilha rural que durou de 1972 a 1975. Mas também foi ali que a polícia militar estadual disparou uma reação brutal contra os residentes da região após o fim da guerrilha comunista e da partida das tropas federais. Também próximo dali surgiu o garimpo de ouro de Serra Pelada, famoso no início da década de 1980. E não longe dali ocorreu o massacre de Eldorado de Carajás, quando dezenas de sem terra foram mortos pela polícia militar do Pará, já nos anos 1990, sob o governo FHC. Por isso o livro se fala em “guerrilhas”, assim no plural, embora quando se fale em guerrilha do Araguaia, a primeira associação que vem a mente é a da guerrilha comunista.
Como o título também indica o livro demonstra o papel importante que teve o militar Sebastião Curió de Moura Rodrigues nos confrontos na região. Nesse caso, o autor Leonêncio Nossa é devedor a Curió. Teve longas entrevistas com o oficial da reserva do Exército Brasileiro, e conseguiu ter acesso ao arquivo privado dele, Curió.
E o livro começa com relatos dessas aproximações. Relata ainda as raízes familiares de Curió, e sua formação.
Depois o relato passa para o PCdoB, fala da liderança de João Amazonas. Das aspirações de instalar uma guerrilha rural na Amazônia, para lutar contra a ditadura civil-militar que comandava o Brasil no início da década de 1970, e instalar uma república socialista, de molde stalinista no Brasil. Há o relato mais ou menos detalhado dos jovens idealistas, alguns apenas estudantes, outros recém-formados que foram estabelecer o foco guerrilheiro às margens do rio Araguaia, fronteira do norte do então estado de Goiás e sul do Pará.
Passa pela instalação da reação do governo militar brasileiro, com o envio de tropas federais que lutaram para desmantelar o foco guerrilheiro, como de fato conseguiram, com vários guerrilheiros mortos em confrontos. E os guerrilheiros que foram capturados foram sendo executados extra-judicialmente. São páginas e páginas de tentativas de reconstituição de conflitos, e de execuções. É durante o combate à guerrilha que Curió começa a se destacar. Durante o conflito, é promovido a major, título que o acompanharia na maior parte de sua vida, como oficial da ativa, e depois como civil e oficial da reserva.
Finalizada a guerrilha, as tropas federais deixam a região, e a polícia militar do estado do Pará vem reprimir os camponeses que haviam de alguma forma, mesmo involuntária, colaborado com a guerrilha.
Depois há a descoberta de ouro na serra do sul do estado do Pará, chamada de Serra Pelada. Curió, segundo o livro, acaba tendo cacife para disciplinar o garimpo, e evitar conflitos que poderiam estourar, fosse um levante de garimpeiros, fosse alguma tentativa da polícia militar de estabelecer a ordem à força.
Mesmo basicamente esgotada a mina de ouro em Serra Pelada, Curió ainda vai manter influência suficiente para se eleger, e reeleger, prefeito do município que acabou sendo batizado em sua honra, Curionópolis.  
Claro, isso tudo é um resumo muito curto de uma narrativa bastante detalhista, onde os perfis dos jovens idealistas que formaram a guerrilha comunista são traçados. Onde vários camponeses, posseiros e garimpeiros da região foram entrevistados. Onde outros oficiais, além de Curió também foram entrevistados. Muitos “off the records”, isto é, sem divulgar seus nomes e funções.
Depois de ter lido um livro em que um antigo agente da repressão confessava que era basicamente um assassino a serviço da repressão durante a ditadura, caso do ex-delegado Cláudio Guerra, no livro “Memórias de uma Guerra Suja”, eu imaginei que este seria um outro livro de um agente da repressão que resolve declarar sua participação em algum crime. Mas no livro Sebastião Curió nega que tenha praticado qualquer crime. Matou pessoas, guerrilheiros, e até assaltantes (uma outra história contada no livro), mas sempre em conflitos. Nunca executou qualquer prisioneiro. Segundo o livro ele também nunca testemunhou execuções de prisioneiros capturados pelas Forças Armadas.
O livro deixa ver todo um jogo de sombras a respeito da repressão à guerrilha comunista. Muitos dos colegas de Curió falam com o jornalista autor do livro, mas também o manipulam. Omitem informações. Dão outras informações falsas. Sendo que há um paradoxo mesmo para eles. Os soldados e oficiais que participaram da supressão da guerrilha no Araguaia fizeram o que o governo da época demandou deles. Contudo, vencida a guerrilha, pouca gente no país ficou sabendo de seus atos, pois havia a censura a respeito desse assunto. A “vitória” deles não podia ser contada ao país.
É um livro interessante, mas um pouco frustrante. Não há confissões bombásticas, como eu imaginei que fosse possível. Mas há bastante informação. E talvez ajude a explicar a violência que ainda hoje assola o sul do Pará, em seus conflitos por terra e justiça.


12/02/2013.


NOSSA, Leonêncio. Mata! O major Curió e as Guerrilhas do Araguaia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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