A Grande Beleza é um grande filme


A Grande Beleza é um grande filme


Este texto é um comentário sobre o filme italiano "A Grande Beleza". Este comentário vai ser sobre alguns aspectos do filme, e obviamente pode relatar detalhes que eventualmente possam estragar um pouco do prazer do filme pela perda de surpresas. Esta não é a intenção, mas pode acontecer. A ideia é comparar algumas situações do filme com a vida em geral, de preferência de maneira abstrata, por meio de tentativas de generalizações.

"A Grande Beleza" ("La Grande Bellezza", Itália, 2013) é um grande filme, e é quase um filme grande com suas 2 horas e 20 minutos de duração. A direção é de Paulo Sorrentino.

Conta alguns dias na vida de Jep Gambardella a partir de seu aniversário de 65 anos. Gambardella é um jornalista e escritor, que escreveu um único livro de sucesso na juventude, e vive um pouco dos louros desse sucesso de outrora. A personagem é vivida pelo ator Toni Servillo.

É sobre isso, e é também um painel sobre a vida em Roma nesse início do século XXI. Tanto que ele mostra pequenos momentos de diversos dos personagens secundários da trama, a indicar o tipo de vida que levam, ou o seu destino. Como uma amiga de Jep que se quer ativista, esposa e mãe, e acaba arrasada pela contra-argumentação de Jep, ou o casal de nobres decadentes que cobra um pequeno cachê para participar de recepções (pequeno cachê levando em consideração que são autênticos nobres, lembremos que a Itália foi uma monarquia desde a unificação no final do século XIX até meados da Segunda Guerra Mundial).

E Roma é uma cidade com tanta história, tantos monumentos, tanta beleza exterior que ela se presta muito a isso. Tanto que a primeira sequência do filme mostra um dos tantos palácios da cidade, com um coro de mulheres cantando, enquanto um grupo de turistas japoneses é orientado por uma guia italiana falando japonês. Um dos japoneses do grupo, um senhor provavelmente aposentado, se afasta do grupo para apreciar e fotografar a cidade. O ponto de vista é elevado e oferece ótima perspectiva da cidade. O japonês sorri e clica, apreciando o que vê. E logo em seguida, aparentemente, tem um enfarto fulminante. Eis aí a síntese da beleza e da finitude lado a lado, que o filme vai explorar.

Logo em seguida, a cena vai para um festa numa cobertura, e logo saberemos que se trata da festa de aniversário de Jep Gambardella. Ele está fazendo 65 anos. E aí começa a história propriamente dita.

É uma história sobre um homem de 65 anos e sobre o vazio da vida burguesa. Isso para quem pode se dar ao luxo da vida burguesa, isto é, para uma certa classe média abastada, ou para a burguesia propriamente dita.

E o que significa ter 65 anos (no meu caso vale também, e eu ainda não tenho 50!)? Significa basicamente que o melhor de sua vida, sua juventude, já passou, e o futuro mostra para você a doença, ou a morte logo ali. Claro, que como não se sabe exatamente como esse futuro se mostrará, vai-se vivendo, vai-se sobrevivendo, mas se sabe que o melhor provavelmente já passou, mesmo que você depois de uma certa idade tenha mais dinheiro e mais conforto do que tinha quando era jovem.

Então a vida se torna esta vivência (sobrevivência) cínica, um pouco ou muito, dependendo da ocasião: festas, bebidas, mulheres, e caminhadas pelas ruas de Roma. Caminhadas estas sempre acompanhadas por um cigarro. Um cigarro que pode amenizar a eventual solidão de caminhar pela cidade. Parêntese: eu gosto de caminhar pela cidade na companhia de uma câmera, há um benefício e um problema com relação a andar por aí com um cigarro. O benefício é que a câmera provavelmente faz menos mal para a saúde que o cigarro. O problema é que muita gente acha que um homem, ou uma mulher, com uma câmera na mão é uma ameaça em potencial, provavelmente uma futura ameaça de chantagem ou extorsão. Mas isso só quando a câmera está na mão de alguém. Parece que ninguém se importa com as dezenas de câmeras espalhadas pela cidade monitorando o dia a dia. Fecha o parêntese. O ruído que encha nossas vidas e evita que as achemos vazias, e no qual tentamos achar algum sentido. E as tentativas de superar as limitações que o tempo vai impondo sobre nós, em uma sociedade que valoriza o belo e o jovem - jovem e belo é uma associação mais ou menos automática. E então usa-se roupas elegantes. E ostenta-se joias e relógios. E submete-se a injeções de botox contra rugas...

Esta rotina vez por outra é quebrada, seja pela morte, seja pelas separações dolorosas. Pode ser a morte de uma pessoa amada, no passado ou no presente. Ou a de uma pessoa que parece que tomou nosso lugar na morte, seja alguém mais jovem, seja alguém que possamos julgar que seja melhor que nós, no meu caso, que eu acho que faria mais falta que se fosse o caso da minha morte.

Um detalhe sobre esse filme foi a sua plateia. A maior parte, pessoas maduras, certamente com mais de 30 anos, e muito velhos, com mais de 60. Um tipo de plateia que destoa dos filmes que costumam tomar conta das salas de projeção, com seus jovens e adolescentes, em busca de adrenalina derivada de tiros, perseguições, explosões e sustos.

Dito assim, parece que traço um quadro triste do filme. Mas não se engane, há momentos para rir, e momentos para chorar. O que faz deste um grande filme. O melhor a que assisti nos últimos tempos.


20/01/2014.


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