O Brucutu


O Brucutu



Periodicamente eu tenho que ir ao laboratório de análises clínicas recolher material para exames. As delícias de envelhecer.

Pois nesta terça fui novamente ao laboratório que o plano de saúde permite. Já faz algum tempo que faço esses exames rotineiros ali.

É sempre o mesmo procedimento básico: jejum de doze horas e se vai ao laboratório. Ali, no balcão, se encaminha a requisição de exames. A atendente encaminha o pedido de exames, confirma endereço e telefone, pergunta quais remédios estão sendo tomados no momento. E como se vai fazer o exame um pouco antes do trabalho, se pede o atestado de comparecimento ao laboratório. O atestado é fornecido após o recolhimento do material para os exames, aqueles nossos fluidos e excreções de sempre.

Recolhido o material, volto à recepção para o pedido do atestado. É ali que o encontro. O Brucutu!

O homem, por volta dos seus, talvez, trinta anos, estava junto ao balcão, onde eu deveria  pedir o atestado. Vestia uma calça jeans, com os fundilhos caídos, quase mostrando o sulco entre as nádegas, vulgo "cofrinho'. Camisa jeans para fora das calças. Óculos de aros de metal. Cabelo padrão para homens brancos morenos. Forte. Deveria parecer um homem. Parecia um pós-adolescente.

Aparentemente estava marcando um exame.

Havia pegado uns biscoitinhos fornecidos aos clientes pelo laboratório. e os mastigava.

Falava com a boca cheia enquanto ia fornecendo as informações solicitadas pela atendente. "Endereço?" - "Rua Tal, número 456, chomp, chomp, chomp, ..." - "Telefone residencial?" - "Não tem, chomp chomp, ..."

Ele me olhou. Eu estava atrás dele, acho que um metro e meio atrás. Talvez tenha ficado inquieto com a minha presença. Resolveu ficar de lado para o balcão, e, consequentemente, de lado para mim. Continuava mastigando...

A atendente passou a dar instruções: "Jejum de doze horas..." . "A urina deve recolhida após um período de duas horas sem ir ao banheiro, ou ser a primeira da manhã". "Duas horas?" - o homem levantou a voz. Quase gritou. "Isso. Ou a primeira urina da manhã." - a atendente disse. "Vou recolher a primeira urina da manhã. Vocês tem embalagem?" - ele perguntou. A atendente alcançou para ele uma embalagem envolta em um saco plástico.

Sabe-se lá por quê razão, ele se meteu a dar palpites sobre cursos superiores para a atendente. "Direito ou Medicina. Direito, Administração ou Medicina, mas Direito e Medicina são melhores. Farmácia também, mas Farmácia é mais difícil. É o que dá para ganhar mais dinheiro. Se candidatar em mais concursos." - propunha ele. Banal e eficaz. Só a falta de dinheiro causa mais ansiedade que ficar falando em dinheiro. Acho que só a vontade de se mostrar, faz você falar esse tipo de coisa para uma pessoa do sexo oposto que você vê pela primeira vez na vida. Uma pessoa que, a princípio, é obrigada a lhe ouvir.

"Quanto vai custar?" - ele perguntou. "Quarenta e um reais, faixa A5 do seu plano." - a atendente respondeu. "Ok." - o Brucutu disse, enquanto pegava a embalagem do exame de urina e se dirigia à saída.

Mas algo o fez voltar: "Vocês tem banheiro aqui?". "Nessa porta, no fundo do corredor." a atendente disse.

Ele atravessou a porta, e depois a porta do banheiro, fazendo barulho.

Eu finalmente pude pedir meu atestado, rapidamente fornecido.

Eu agradeci e fui embora.

Para longe dali. Para longe do Brucutu. Aliviado...



23/09/2014.

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