25 anos hoje - relembrando a morte de meu pai


25 anos hoje - relembrando a morte de meu pai


Foi em 1990, 4 de fevereiro.


Eu tinha pouco tempo de casado, menos tempo ainda de paternidade. Tinha vinte e poucos anos.


Na minha cabeça, era um final de semana.


Fazia pouco mais de dois anos que meu pai havia sido diagnosticado com câncer de pele, melanoma. A primeira cirurgia havia sido para extirpar um tumor no calcanhar dele, um tumor que aparentemente era do tamanho de meia bola de pingue-pongue. Os médicos também retiraram gânglios das virilhas dele.


Minha mãe demorou a contar sobre o diagnóstico. Inventou para mim uma improvável infecção fúngica que estava consumindo o calcanhar de meu pai.


Tempos depois meu pai ainda passaria por mais dois procedimentos, para retirada de pequenos tumores que apareceram no rosto, e nas costas.


Apesar do diagnóstico, e do prognóstico ruim, afinal este era um câncer de pele dos mais agressivos, nos primeiros tempos não parecia que a vida ou o humor de meu pai tivessem mudado muito em relação ao que era antes. Um homem quieto, reservado, que gostava de beber para relaxar, que tinha um relativo bom humor, e gostava das musicas da juventude dele, em especial das composições de Lupícinio Rodrigues.


Se não me engano, a primeira cirurgia foi no inverno de 1987. Como eu disse, o humor parecia o mesmo, mas ele foi sucumbindo à doença. Houve os novos tumores, depois a perda de apetite, depois a icterícia, o que significava que devia haver tumores no fígado.


Sei que em outubro de 1989, no aniversário de primeiro ano de meu filho e neto dele, quando o levei para casa após uma festinha para amigos e familiares, quando tentei ajudá-lo a entrar em casa, e segurei o braço dele, senti aquele braço, muito, muito fino.


Com a chegada do verão, meu pai continuou definhando.


A principal cuidadora dele era minha mãe. Eu e minha esposa ajudávamos como podíamos, e à medida que minha mãe pedia ajuda. Minha mãe também contava com a boa vontade de alguns vizinhos.
Sei que naquele início de fevereiro, a situação se tornou crítica. Pelo que me lembro, a minha mãe me chamou para ajudá-la na sexta e no sábado. Até a sexta-feira meu pai ainda conseguia se locomover. Meio hesitante, mas conseguia.


No sábado, já não conseguia mais. E minha mãe pediu ajuda.


No domingo, a situação só piorou. Meu pai ia perdendo a consciência, e minha mãe começou a sentir a respiração dele cada vez mais fraca. Nós o estávamos perdendo.


E assim foi naquela tarde de domingo… A respiração cada vez mais fraca, mais fraca, até que meu pai expirou.


Minha mãe chorou, e não me lembro o que aconteceu com ela.


Eu comecei a chorar. Lembro que meu tio, irmão caçula de minha mãe estava lá para ver como estava o cunhado, ajudar a irmã. Ele tentava me consolar.


Mas meu único pensamento era que eu queria chorar. E não queria ser consolado. Eu queria poder chorar, e ficar um pouco com meu morto, com meu pai.


Mas minha mãe, muito ciosa e muito formal não me deixou. Era preciso providenciar o velório e o enterro. Logo combinou com o vizinho para procurar uma funerária, cujos custos estivessem ao alcance da família. Quanto vale um morto?


Era preciso avisar minha irmã, que estava morando fora do estado.


Era preciso reservar a capela do cemitério.


Era preciso avisar parentes, amigos e conhecidos naqueles tempos sem telefones móveis, nem correios eletrônicos, nem redes sociais…


Era preciso tanta coisa.


Mas a única coisa necessária mesma foi negligenciada. Pelo menos na minha cabeça foi assim. Chorar o morto, segurar o morto. Despejar as lágrimas da despedida.


Depois devanear. Se iludir: - “e se a gente tivesse levado ele para o hospital? e no hospital tivessem colocado ele em respirador artificial, e alimentado ele por soro? Será que ele não viveria mais algum? Não permaneceria mais um tempo conosco?” -  Ilusões...


Depois percebendo a cada vez que eu visitava minha mãe: Não, ele não esta mais aqui. Não eu não vou vê-lo mais. Não. Não. Ele se foi mesmo.


Não mais.


E assim se passaram vinte cinco anos. Minha mãe mesmo, se foi pouco mais de cinco anos após. Meu filho que era um bebê então, hoje é adulto. E assim se passaram vinte cinco anos…

04/02/2015.

Comentários

  1. Eu tinha 23 anos quando perdi meu pai e 28 quando perdi minha mãe. A vida é assim mesmo.

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