Petrov, o Dr. Pacheco, o Big Bang e o Chocotone


De: José Alfredo <JoseAR@emeio.com.br>
Para: Antonio Prata <antonioprata@folha.com.br>
Assunto: Petrov, o Dr. Pacheco, o Big Bang e o Chocotone


Caro Antonio,


Esta é a segunda vez que uso uma crônica sua como trampolim para minhas próprias divagações. Na primeira eu havia comentado como a violência da realidade nos afeta, e como, para alguns, a ignorância é uma bênção. Me desculpe por essas apropriações.


Em sua crônica de domingo passado, 20/12/2015, você comenta de um marinheiro soviético chamado Arkhipov, e de como, ao recusar uma ordem de seu capitão, durante a Crise dos Mísseis em Cuba, em outubro de 1962, ele evitou uma hecatombe nuclear, e hoje podemos estar consumindo à vontade, em lugar de estarmos comendo insetos radiativos no fundo de uma caverna (não que a caverna fosse um destino inevitável num holocausto nuclear. Veja que duas infelizes cidades japonesas receberam bombardeios atômicos, foram reconstruídas, e continuaram a ser habitadas, mas, enfim, continuemos).


Me lembrou a notícia de Petrov, outro soldado soviético, nesse caso um oficial do Exército Vermelho, que não acreditou quando o sistema de defesa soviético indicou um ataque estadunidense a caminho, o qual ele deveria revidar. Ele não revidou. Preferiu esperar mais um pouco. Claro, que se o ataque estivesse mesmo a caminho, e ele esperasse, ele não poderia mais revidar, pois o ataque provavelmente daria cabo dele também. Ele esperou e o mundo não acabou novamente em 1983.


O Doutor Pacheco foi aquele dentista que tomou muitas cervejas e fez com que seu avô encontrasse a sua avó, e disso resultasse uma vasta descendência, do qual você é um neto, e seu filho um bisneto.


"Cazzo" você diz (você queria dizer "foda" ou "caralho" com a expressão italiana?), para concluir que Deus não existe, e que não há lógica no mundo, e que tudo é absurdo.


Mas, veja bem, há pessoas que juntando um mais dois, ou Arkhipov, ou Petrov, e o Doutor Pacheco, e o seu avô, chegariam exatamente à conclusão oposta. É maravilhoso que a coisa tenha sido como foi, e não de outra maneira. E que se seu avô não tivesse encontrado o Doutor Pacheco, você não existiria, e não estaríamos divagando sobre a nossa realidade violenta.


No fim, você afirma que não sabe porque está escrevendo essas coisas. Um místico poderia dizer que foi iluminação divina. Já um neurocientista explicaria por meio de alguma conexão físico química no seu cérebro. Não sei porque você escreveu. Eu escrevi porque você escreveu e me deixou intrigado.


Parodiando Fernando Pessoa, ou Álvaro de Campos, você termina dizendo "comamos chocotones, comamos chocotones porque não há mais metafísica no mundo senão chocotones". Digo que a nossa percepção é falha, e todo o conhecimento da física que temos hoje é coisa de menos de 200 anos, e que antes disso o átomo e o quark eram metafísica. Especulação. O Big Bang nem sempre foi consenso (não estou certo que seja atualmente), mas serve como uma gênese alternativa. A propósito, essas coisas ainda são domínio de muito poucas pessoas relativamente à população mundial, de maneira que os físicos falam e nós, os mortais comuns, precisamos acreditar. E pode bem ser que daqui a pouco algum cientista descubra algo que venha a nos maravilhar. Pois tenho para mim que toda inteligência é ateia, não porque esteja provado que Deus não exista, mas justamente porque não pode ser experimentado, a não ser nas subjetividades de cada um, e cada um está aparentemente livre para rejeitar a hipótese de Deus existir.


Enfim, me parece que sua crônica foi uma maneira paradoxal de desejar Feliz Natal aos seus leitores. Mesmo porque Natal, a celebração do nascimento de Jesus Cristo, na sua crônica não faz muito sentido.


Li em algum lugar que na antiga União Soviética, o ateísmo era uma espécie de profissão de fé na prática (como talvez dissesse Frei Betto, o regime era ateu, não laico). Assim, os soviéticos aproveitavam a mudança de ano para trocar presentes. Talvez fosse uma alternativa.


Se poderia dar outro sentido, e continuar aproveitando os chocotones.


Abraço,


José Alfredo.

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