Revista Piauí virando à direita?


Revista Piauí virando à direita?



- Cara, esta é uma revista de direita!


Essas eram as palavras de um colega de trabalho, sempre em tom de galhofa, cada vez que eu chegava com um exemplar da revista Piauí nas mãos, para mostrar as reportagens que eu mais havia gostado naquela edição. Vale dizer que esse mesmo colega, sempre em tom de galhofa, disse que iria editar uma revista de esquerda, seja lá o que isso significasse para ele, chamada "Ceará Vermelho", certamente em oposição ao singular título "piauí" (assim, com minúsculas) para uma revista.


Claro, além disso havia a repetitiva reclamação das reportagens longuíssimas, impossíveis de terminar a leitura. Mas essa é outra história.


Normalmente eu discordava. Afirmava que a revista tinha múltiplos enfoques, e que quando abordava temas brasileiros, a reportagem tendia a ser equilibrada, mostrando diversos ângulos do assunto.


Não mais. Duas reportagens na edição de outubro de 2015 e uma na de novembro do mesmo ano, parecem indicar uma curva à direita no espectro político.


A primeira é a reportagem "Na Estrada com o Pixuleco" onde Roberto Kaz acompanha a senhora Celene Carvalho, ao redor do Brasil para narrar as aventuras dela, estimuladora do ódio antipetista, com um boneco inflável que representa o ex-presidente Lula vestido de presidiário. Uma exposição de uma militante da nova extrema-direita brasileira. Me foi impossível ler.


A segunda é a longa reportagem de Consuelo Dieguez questionando os empréstimos do BNDES - "O Ralo". Claro, que para encher as cerca de sete páginas da revista com texto, ela teve que relembrar fatos desde a fundação do banco, em 1952, passando pelas atividades nos governos JK e João Goulart, quando ele ainda se chamava BNDE. Depois de citar bilhões para lá, e bilhões para cá, como numa edição das falas do candidato Levy Fidélix na eleição presidencial de 2014, Dieguez dá voz aos economistas de quase sempre, José Roberto Afonso (ligado ao PSDB, como ela cita), Mansueto Almeida Júnior, Eduardo Gianetti da Fonseca, sempre questionando as políticas de empréstimo do banco. Termina citando Francisco Gil Castelo Branco Neto, presidente de uma ONG chamada Contas Abertas. Ele repassa valores, de novo os tais bilhões (uma reportagem tão longa podia se deter mais na metodologia da Contas Abertas, mas não o faz), para concluir que "a corrupção migrou para as estatais", e insinuar que tudo que o BNDES financiou não serviu para praticamente nada, e, aproveitando que falou no financiamento dos estádios da Copa do Mundo, terminar falando dos 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil. Vai ver o BNDES convidou Scolari para treinar a seleção brasileira, e o convenceu que o time canarinho tinha condições de vencer a Alemanha, com Bernard no lugar de Neymar. Uma reportagem que não estaria fora de lugar na Folha de São Paulo, ou na Veja. Claro que esses veículos não publicariam mais que duas páginas.


Por fim, já na edição de novembro, há a reportagem de Malu Gaspar sobre a Petrobrás - "À Deriva" - onde ela, a princípio, vai narrando as intrigas na nova diretoria da estatal, após a crise desencadeada pela Lava Jato, e nesse ritmo dirige o leitor a acreditar que a situação da Petrobrás é catástrófica. Devo ter desistido da leitura na segunda página. Não é preciso ler quatro ou cinco páginas na Piauí para chegar a essa conclusão (que a situação da Petrobrás é catastrófica). Como eu disse, a Folha de São Paulo ou a Veja dizem o mesmo em duas. Não que a conclusão seja verdadeira.


A propósito, o BNDES deu lucro de R$ 3,5 bilhões no primeiro semestre de 2015. A Petrobrás deu lucro de R$ 5,3 bilhões no mesmo período.


Há alguns anos venho comprando sempre a revista em banca (preguiça de assinar!). Vamos ver se vai valer a pena continuar, ou se a revista está lentamente a se tornar uma Veja mensal.




P.S. (I): Este texto foi enviado à redação da revista em 17/12/2015 e publicado, com pequena edição, na seção de cartas (emeios?) dos leitores da revista Piauí, na edição 112, de janeiro de 2016.

P.S. (II): A edições de dezembro de 2015 e janeiro de 2016 não repetem reportagens de viés direitista, na minha opinião. Há até um texto de André Singer analisando os anos do “lulismo” como ele diz (que por sinal não foi bem recebido pelo leitorado de direita da revista). O que me deixa com esperança de poder continuar lendo as edições da revista.

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