Postagens

Mostrando postagens de fevereiro, 2016

O Difícil Desapego de um Velho Automóvel

O Difícil Desapego de um Velho Automóvel Hoje liguei para a autoridade de trânsito de Porto Alegre para solicitar que minha velha Variant II fosse removida do leito da rua que moro. Confesso que o baque foi maior do que eu imaginava. Este carrinho estava na família desde o início da década de 1990. Nos levou para a praia algumas vezes, nos levou para a serra outras. O motor foi reformado três vezes. Foi repintada duas vezes. Mas o tempo não para. Assim como nos traz tudo, a vida, o crescimento, a juventude, os filhos, a velhice, a doença, a morte; para o carrinho foi sempre trazendo a ferrugem, o desgaste. E o tempo se juntou à obsolescência, e se tornou difícil encontrar peças de reposição. O tempo e a renovação da frota nacional de veículos tornou difícil revender o carrinho. E ele foi ficando. Nos últimos meses, já andava pouco. A última tentativa de viagem, para Jaguarão, há uns quatro anos, foi abortada. Abreviada. Com o tráfego pesado da BR116, desist

Diário - leituras - Crônica da Paixão Inútil

Diário - leituras - Crônica da Paixão Inútil "Crônica da Paixão Inútil" se apresenta como romance, mas, talvez, nas suas noventa páginas alguém pudesse chamá-lo de novela. Mas aí teria que haver uma definição de conceitos.  Então fiquemos como romance. A "Crônica da Paixão Inútil" narra basicamente o fracasso do relacionamento de Francisco e Gabriela, em algum momento dos anos 1980, na cidade de Porto Alegre, muito embora a narrativa comece nos Andes Peruanos, para onde Francisco viaja, numa tentativa de autoconhecimento, e, talvez, redenção. O desenvolvimento da história é para demonstrar como Francisco chegou ali. Paralelamente há alguns flashes sobre como podiam ser as campanhas políticas naqueles anos 1980, invasões de terrenos para o estabelecimento de favelas, e a cooptação de lideranças comunitárias para a política partidária. Me chamou a atenção que, num relato para demonstrar a falência de um relacionamento amoroso, o autor não explor

Esbarrando em Emilio Pacheco

Esbarrando em Emilio Pacheco Já deve fazer uns dois anos que os blogues estão ultrapassados, que o quente é o Feicibuque. Acho que a afirmação foi mais ou menos na mesma época que me disseram que o pessoal não usava mais correio eletrônico, só o programa de mensageria eletrônica do Feicibuqui. Hoje deve ser o Zapzap. Mas acho que na primeira década do século XXI existiam encontros de blogueiros. O único encontro para o qual eu fui convidado, eu não pude comparecer . Mas, curiosamente, eu acompanho o Blog do Emilio Pacheco faz anos. Talvez, principalmente, por ser um blogue de Porto Alegre. Além disso, pelas indicações do blogue, eu imaginava que ele trabalhasse, como eu, nas vizinhanças da Praça da Alfândega. Pois na quinta-feira passada (acho que foi nesse dia, 11/02/2016), eu estava em meu intervalo de almoço, em frente ao Shopping Rua da Praia, quando vi saindo dali o Emílio Pacheco. Dei duas hesitadas antes de me apresentar, mas resolvi fazê-lo. O segui, e o alc

Diário - filmes antigos - Tubarão

Diário - filmes antigos - Tubarão "Tubarão" ("Jaws", Estados Unidos, 1975) é um dos inventores do filme catástrofe, uma espécie de novidade naqueles anos 1970, embora algo comum nos dias de hoje. Por conta do vídeo sob demanda, finalmente vi uma versão inteira do filme. É um interessante filme, ainda com um ritmo razoavelmente lento, um tanto de suspense, e pouca violência mostrada, ficando as situações críticas mais sob a sugestão do que sob a explicitação. A começar pela cena inicial do filme, quando a moça, num rompante sedutor resolve nadar nua no mar que circunda Amity Island. O espectador vê a ação do tubarão, mas não vê o bicho, nem o corpo da banhista sendo atacado. Essa cidade, Amity Island, é uma cidadezinha litorânea que vive para a temporada de férias no verão, tal qual muitas cidades litorâneas do sul do Brasil. E quando esse ataque por um tubarão vem à tona, o xerife local, o Chefe Brody (Roy Scheider) quer proibir os banhos, mas o prefeito

O último dia de Paulo

O último dia de Paulo Naquela quarta-feira, Paulo acordou às seis da manhã como costumava fazer. Levantou-se e foi ao banheiro se liberar de suas primárias necessidades fisiológicas. Deixou a mulher dormindo, pois era muito cedo, e ela não precisava sair para trabalhar. Olhou-se no espelho, rapidamente, sem se deter em sua própria imagem. Lavou o rosto com água abundante, mas sem usar sabonete. Secou-se. Pegou o jornal largado em frente a porta pelo porteiro. Colocou pó de café e água na cafeteira. E esperou alguns minutos. Enquanto isso, pegou pão, manteiga, leite e frios, e colocou sobre a mesa na cozinha. A cafeteira aprontou o café. Ele pegou a jarra e se serviu. Completou com leite. Fez um sanduíche com o pão, a manteiga e os frios. Comeu, bebeu. Estava feito o desjejum. Era hora de se vestir. Camisa azul, como muitas vezes. Sapatênis preto. Meias sociais pretas. Calça jeans cargo. Separou também a jaqueta de couro. Apesar de já ser verão, mu

Leituras na Piauí - Janeiro / 2016 - Nathaniel H. Leff

Leituras na Piauí - Janeiro / 2016 - Nathaniel H. Leff A revista Piauí de janeiro de 2016 traz um comentário sobre um pesquisador norte-americano que esteve pelo Brasil , em meados da década de 1960, para pesquisar o desenvolvimento econômico daqui. Seu nome é Nathaniel H. Leff. O texto de Rafael Cariello comenta sobre o pesquisador, seu quase completo desconhecimento por parte de uma parcela importante da academia brasileira, tanto na área de Economia, quanto na de História. Fala um pouco de sua vida acadêmica após o retorno para os Estados Unidos, e seu súbito desaparecimento na metade dos anos 1990. Na busca de Cariello, ele encontrou ex-colegas de Leff, todos tendo perdido o contato com ele, alguns supondo o seu falecimento. Cariello o vai encontrar numa cidadezinha de New Jersey, bastante debilitado pela doença de Parkinson, com dificuldades de locomoção e comunicação. Mas ainda vivo. As suposições sobre sua morte foram precipitadas. O interessante são os

Sob o Sol de Verão de Porto Alegre

Sob o Sol de Verão de Porto Alegre Acho que foi numa antiga crônica do Luís Fernando Veríssimo que eu li sobre ninguém se aventurar no sol do meio-dia nos trópicos, a não ser cachorros loucos e os ingleses. Não me lembro de muito mais, mas parece que ele usou isso como ponto de partida de explicação para os ingleses terem construído seu império onde o sol nunca se põe durante o século XIX, tendo o tal império durado até a metade do século XX. Os ingleses se lançaram às conquistas além mar para fugir do clima frio e úmido das Ilhas Britânicas. Quando pesquisei sobre o assunto, cheguei a uma canção de Noel Coward que fala nisso, "Mad Dogs and Englishmen" ("Cachorros Loucos e Ingleses"). Possivelmente a inspiração para aquela crônica de LFV que mal me lembro. Tudo isso para referir um passeio por Porto Alegre num domingo de janeiro, pleno verão, temperatura de aproximados 38 graus, céu sem nuvens, baixa umidade relativa, alta radiação ultravioleta. Par

Diário - leituras - Campo de Sonhos

Diário - leituras - Campo de Sonhos Houve um tempo em que o Orkut era um ponto de encontro para as pessoas debaterem todo tipo de assunto, e criarem todo tipo de produção artístico-cultural. Um desses nichos era a poesia. Desse tempo, recebi uma coletânea de poemas da poeta Ana Wagner, que faz pouco mais de um ano reli. Acho que reli... Ler isso é uma maneira de perceber que há dons artísticos a serem explorados pelas pessoas que quiserem perscrutar seu potencial. São pouco mais de cem poemas, e entre eles, claro que uns são melhores que outros. Destaco dois. Insônia Sonho-te acordada na madrugada insone mãos em delicado girassol seara de trigo teu corpo incendiado semeio carícias pele estremece florescem desejos na alvura da pele um apelo, arrepio flores de inverno sedução sementes de paixão Cio O outro: Longa Jornada Frias tardes uma existência contida botão de rosa desfolhada chegada ao ponto de partida r

O Doutrinador

O Doutrinador Já andei com diversos motoristas de táxi, mas esse foi o primeiro a querer me doutrinar. Nunca tinha visto isso. Houve uma vez que me transtornei com um motorista velhinho porque ele disse que na ditadura era melhor. Pensando que se tratava de um apologista dos generais, das cassações políticas, e das torturas e extermínios praticados no país entre o final dos anos 1960 e o início dos 1980, fiz menção até de abandonar aquele táxi, no que fui demovido pela minha mulher. Só depois, tosco e paranoico que sou, entendi que o que o homem queria dizer é que ele era taxista há muito tempo, e naquela época sofreu menos assaltos que nos últimos anos. Não é que ele defendesse a ditadura, mas ele achava que naquela época tinha menos infortúnios. Bom, essa percepção eu não podia tirar dele, e eu não podia me transtornar por isso. Mas voltando ao primeiro parágrafo. Eu sentei ao lado do motorista, e disse o destino. Não havíamos andado cem metros quando ele iniciou a