Diário - leituras - Conversa na Catedral


Diário - leituras - Conversa na Catedral


LLOSA, Mário Vargas. Conversa na Catedral. São Paulo: Círculo do Livro, s.d.


"Da porta de La Crónica Santiago olha a Avenida Tacna sem amor: automóveis, edifícios irregulares e desbotados, esqueletos de anúncios luminosos flutuando na neblina, o meio-dia cinzento. Em que momento o Peru tinha se fodido?"


Início do livro, e utilizado como "epígrafe" da obra.


Valeu a pena ter seguido a dica de Leonardo Padura, que disse que sempre que ia iniciar a escrever um romance, relia a abertura do livro "Conversa na Catedral", de Mario Vargas Llosa.


E o que há no livro? Um amplo retrato do Peru em meados dos anos 1940 e 1950. E, para quem olhar melhor, até um espelho das realidades brasileiras, no país vizinho.


É uma obra bem interessante, que, após esse início mostra que Santiago Zavala encontra Ambrosio, um mulato, antigo empregado do pai de Santiago, que era um grande empresário da oligarquia peruana daqueles anos. Eles vão ao bar Catedral, e lá começam a beber cerveja, e relembrar momentos das vidas deles. E é daí que vemos o retrato que Llosa faz do Peru daquele tempo, e se pergunta como o Peru, e o próprio Santiago Zavala se deram mal (ou "se fuderam" como diz o livro).


Santiago é um filho da burguesia peruana. Filho mais velho de um empreiteiro, que é uma liderança das classes altas do país.


As recordações começam com Santiago entrando para a universidade e sua militância na política estudantil. Seu desejo por uma das colegas de faculdade e da militância. Santiago se torna idealista, e inclusive em algum momento se declara comunista. Apesar de filho de um dos líderes da burguesia peruana.


A história de Santiago se mistura com a de Ambrósio, mulato, pobre, vindo do interior para Lima, se agregando a milícias que ajudam a polícia a perseguir a oposição popular-populista (isto é, da APRA. Ver abaixo).


Fala da militância do APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana), um partido popular, que queria acabar com a desigualdade do país, sem ser comunista, mas que mesmo assim, no quadro da guerra fria, fomentou ódio das classes superiores peruanas, a ponto do partido ter sido colocado na clandestinidade em muitos momentos da história do país.


Retrata o golpe, e a ditadura de Odría (1948-1956), sendo um dos personagens principais do livro, Cayo Bermudez, chefe de polícia e depois ministro de estado de Odría, personagem calcado no ministro real que dirigiu a repressão à oposição naqueles anos.


Vargas Llosa pintou um quadro tal do Peru, que me fez pesquisar alguma coisa da história do país.


Notável foi constatar paralelos na história do Peru com a história do Brasil. O estado à sombra de empreiteiros, ou empreiteiros à sombra do estado. A burguesia conspirando contra partidos populares (a APRA no Peru, o antigo PTB [Partido Trabalhista Brasileiro] aqui). O desprezo da burguesia pelos subalternos bem retratado quando Santiago apresenta sua esposa à família dele. O racismo generalizado mas sutil.


E a estrutura é rica. Os capítulos não se sucedem em ordem cronológica, mas um capítulo vai esclarecendo o outro. Sendo que no meio da narrativa sobre o que está acontecendo sempre ouvimos as palavras de Santiago ou de Ambrósio, lembrando-nos que o que está sendo contado é a reprodução de uma longa conversa regada a cerveja barata num bar de Lima.


Uma obra-prima. Eu já havia lido “A Festa do Bode”, do mesmo Vargas Llosa, que é bom, mas “Conversa na Catedral” é bem melhor.  Valeu a pena seguir a dica de Padura.


08/10/2015.

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