Pequena crônica de mais um dia de medo



Pequena crônica de mais um dia de medo



Dizem que a cidade, em especial a cidade grande, é como uma selva. Ninguém sabe o que vai encontrar se resolver sair de casa. A frase é um chavão antigo. Não lembro onde li, ou de quem ouvi (ouvi ou li?).

Claro, é diferente, pegar o ônibus é ir ao centro de uma cidade, e vagar numa selva real. Acho que eu teria mais medo numa floresta habitada por predadores, que numa grande cidade.

A grande cidade não se define por seu grande território, mas por sua grande população.
Porto Alegre é uma grande cidade. Um e meio milhão de habitantes. Três milhões na sua região metropolitana. Gente pra caramba.

Porto Alegre é a capital do Rio Grande do Sul, um estado onde as pessoas gostam de invocar tradições, e prezar um certo separatismo, que muitos pensam que faria dos gaúchos melhores, ou mais cultos, ou seja lá o que for que os demais brasileiros. Claro. Qualquer um gosta de achar que é o bom, que é o melhor. É sempre necessário um choque de realidade para perceber que nem sempre a gente é mesmo o melhor.

Dito tudo isso, é bom sabermos que estamos falidos.

Acho que faz trinta anos que estamos falidos. Desde o final de minha infância eu ouço falar que o Governo do Estado não tem dinheiro. Posso enumerá-los: Amaral de Souza, Jair Soares, Pedro Simon, Alceu Collares, Antonio Britto, Olívio Dutra, Germano Rigotto, Yeda Crusius, Tarso Genro, e, agora, José Ivo Sartori.

A grande novidade do atual governador é agir como se não houvesse opção.

Em julho o salário do funcionalismo público foi parcelado, com a primeira parcela num corte de dois mil reais.

Em agosto o parcelamento teve a primeira parcela em seiscentos reais. Seiscentos reais. Seiscentos reais é menos que o atual salário mínimo brasileiro.

Dentro do nosso quadro político, o Governador disse que não tinha dinheiro nem alternativas para pagar o funcionalismo. A oposição, que me parte, compunha o governo anterior, alega que haveria meios de conseguir recursos para pagar o funcionalismo. Claro, que cada um acredite no que quiser.

Mas funcionalismo sem salário, significa greves, ou outro tipo de operação para chamar a atenção para o problema.

Em Porto Alegre, parece que estamos vivendo dias piores na segurança pública.

Nesta quinta-feira passada (03/09) o jornal Correio do Povo noticiou arrastões à noite, na Avenida Voluntários da Pátria, próxima aos pontos de ônibus no Camelódromo.

Depois na sexta-feira, veio a notícia que os arrastões teriam começado na Praça da Alfândega, no final da tarde dessa mesma quinta.

E, de quebra, tivemos um incidente em que um jovem morreu no bairro Santa Teresa, baleado por policiais militares. Os policiais alegaram que houve tiroteio, mas moradores da região falaram que foi uma execução. A morte gerou revolta, os policiais da ocorrência ficaram sitiados, e o batalhão de choque teve que ser acionado. Esse incidente gerou outros, como o incêndio criminoso de um ônibus e uma lotação.

Então, na sexta, tivemos o temos o medo de mais arrastões, e lojas fechando mais cedo, por conta dos boatos.

A princípio, o clima não podia ser pior.

Mas, quando saí do trabalho, vi que a coisa estava menos pior. Menos pior que segunda, 3 de agosto, o dia em que praticamente todo o comércio fechou mais cedo. Sim, alguns lojistas fecharam mais cedo, mas muitos ainda estavam abertos por volta das dezenove horas. Nesse horário o centro da cidade ainda tinha um arremedo de normalidade, com mais pessoas saindo do trabalho, e parte do comércio ainda aberta.

Que bom, parecia que as pessoas tentavam resistir ao medo.

É preciso resistir.

Eu mesmo, fiz questão de ir a um bar, para uma breve pausa.

Fiquei feliz que o bar estivesse aberto, para degustar seu saboroso chopp artesanal.

Pensei comigo mesmo que era uma forma de resistir ao medo. Talvez seja auto-engano meu. Talvez não.


05/09/2015.

P.S. Sobre medo em Porto Alegre, veja também: Um Dia Anormal.

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