Leituras na Piauí - dezembro de 2013 - Jon Lee Anderson fala sobre Leonardo Padura, escritor de romances policiais em Cuba (Cuba de novo!)

Leituras na Piauí - dezembro de 2013 - Jon Lee Anderson fala sobre Leonardo Padura, escritor de romances policiais em Cuba (Cuba de novo!)




Cuba é uma espécie de ímã atraindo nossa atenção. Colônia espanhola produtora de açúcar, penúltima região do hemisfério ocidental a abolir a escravidão (1886, quando Cuba ainda era colônia espanhola). “Independente” sob o “protetorado” dos Estados Unidos. E por fim, independente por conta da Revolução de Fidel Castro e companhia. Desde então vive sob pressão dos Estados Unidos, apoiou guerrilhas no continente americano, e serviu de justificativa para uma série de golpe civis-militares e ditaduras  por todo o continente, começando pelo Brasil.


Apesar do antigo “socialismo real existente” no leste da Europa, atualmente Cuba, Coreia do Norte, China e Vietnã são os únicos países que continuam se dizendo “socialistas”, mas só Cuba e a Coreia resistem a fazer amplas reformas econômicas. Isto é, Cuba está fazendo pequenas reformas, mas parece que nada que se compare ao que a China fez, e o Vietnã está fazendo, no sentido de privatizar serviços e incentivar a livre iniciativa.


Por tudo isso, e por ter um regime centralizador, onde, por exemplo, os escritores são publicados com base em pareceres de uma união de escritores, que é dirigida por pessoas ligadas ao regime, a liberdade de publicar não é uma coisa simples (não que publicar e, principalmente, distribuir livros no Brasil, por exemplo, seja uma coisa simples, mas esse é um outro assunto).


Só com relação à revista Piauí, Cuba já foi objeto de dois textos neste blogue. Um justamente sobre como as pequenas reformas econômicas e legais estavam influenciando o país, e nos dava um vislumbre do universo gay da ilha, no texto de Gary Indiana (“Cuba com Passaporte”), e o longo perfil do norte-americano William Morgan que lutou numa das frentes de guerrilha da Revolução Cubana, ajudou a evitar um atentado contra Fidel na primeira infância do regime, e que acabou fuzilado na sequência da evolução política da ilha, escrito por David Grann.


Enfim, Cuba nos fascina, para o bem e para o mal.


Na edição de dezembro de 2013, o jornalista Jon Lee Anderson (que entre outras coisas, biografou Che Guevara), traz um perfil do escritor cubano Leonardo Padura, um jornalista e escritor cubano, autor de romances policiais, e que vive testando os limites da liberdade de expressão e publicação da ilha. Até agora ele vem conseguindo ser publicado.


Claro, que este perfil vem publicado como parte da divulgação de seu mais recente livro traduzido e publicado no Brasil, “O Homem que Amava os Cachorros”, e que, pelo que foi possível entender tem a ver com a vida vivida por Ramon Mercader, o agente soviético assassino de León Trotsky, em Cuba, após cumprir sua pena de prisão no México.


E claro que a questão não é apenas que o assassino de Tróstsky tenha vivido em Cuba o fim de seus dias.


Interessante nisso é o vislumbre que Jon Lee Anderson nos deixa ver de Cuba. Relembrando a repressão aos intelectuais considerados “contrarrevolucionários” no final da década de 1960, a repressão aos homossexuais que ocorria de forma mais ou menos dissimulada até os anos 1970, ou a crise por que passou a ilha em decorrência do fim do socialismo no Leste Europeu nos anos 1990 (mesmo parte da elite dirigente do partido tinha dificuldades para ter o que comer naqueles dias. No caso de elite dirigente, quero dizer aqui, gerentes de hospitais, ou diretores de estatais, por exemplo). Esta crise dos anos 1990, informa Anderson, chegou a gerar pequenas rebeliões nas periferias de Havana.


E Jon Lee Anderson informa outras coisas curiosas. Por exemplo, em 1975, Padura queria entrar para a faculdade de jornalismo, mas não pôde, pois segundo consta “já havia jornalistas em quantidade suficiente no país”, o que pode fazer sentido num regime de planejamento centralizado, que quer, ou se queria, de alguma forma “científico”. Mas que, no nosso caso, não faz o menor sentido, para nós que temos faculdades de Direito e de Administração em cada esquina, e faculdades de Jornalismo a cada cinco quadras, sem que ninguém se queixe que há advogados, administradores e jornalistas demais por aí.


Escritores cubanos que se exilaram não são publicados em Cuba. Obviamente são “contrarrevolucionários”. Mas mesmo os que ficam são semi-invisíveis, como Pedro Juan Gutierrez, que Anderson chama de “Bukowski cubano”. E por conta, tanto do centralismo de publicação, quanto pela limitação de recursos, dificilmente autores estrangeiros são publicados por lá. Ah sim, as diversas reflexões de Fidel sobre o mundo são sempre publicadas e facilmente encontráveis.


Nesse universo, Padura desafia os limites do regime, e vem continuamente sendo publicado. Em pequenas edições, é verdade, mas continuas reimpressões. Além disso, já foi publicado em diversos países hispanófonos, e traduzido em diversos outros idiomas, como o francês e o alemão. E ele se torna singular porque essa divulgação de sua obra, lhe traz rendimentos que estão muito acima da maioria dos cubanos, e lhe permitem sair do país, tanto para lançamento de edições de sua obra, quanto para recebimento de prêmios literários e honrarias de governos estrangeiros. E ele e sua esposa (eles estão casados desde 1978 e não têm filhos) viajam para o exterior e voltam. Vivem em uma casa que é descrita como confortável, limpa e arrumada, mas que não parece luxuosa.


Anderson resume a coisa como sendo aquele clássico ditado, “Padura caminha sobre o fio da navalha”. Ele escreve seus livros e os submete para publicação na ilha. Sempre pensa que será vetado, censurado, e até agora não tem sido. Isto é, sempre tem sido publicado. E cada vez testa os limites da liberdade de expressão do regime.


Talvez esse seja seu segredo. Ou isso nem seja um segredo tão grande assim. Padura é um intelectual que questiona o regime, sem contestá-lo. Isto é. Sempre se pode questionar porque demora tanto para que se tape um buraco na rua, ou porque o conserto de uma televisão demore tanto na antiga oficina estatal, porque afinal, melhorar a vida da população também é um dos objetivos do regime. Sutilmente ele denuncia as mazelas do país, sem chamar seus leitores à subversão.


E ele consegue matizar o país. Como fala Anderson, quase ao final do texto, Padura consegue enxergar que Cuba não é “o paraíso socialista” daqueles que idealizam o regime, nem “o inferno comunista” dos seus detratores.


E Jon Lee Anderson já deixa entrever, que, com as reformas que estão começando, o país venha a sofrer de mais desigualdade, e, talvez, de regressão de direitos conquistados, como a saúde pública e a educação de nível razoável. Veremos.


Mas é um bom perfil de Padura. E um bom incentivo à leitura de seus livros.




14/01/2014.


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